Rockstar Games e modders: Por que os desenvolvedores se afastaram da comunidade

A Rockstar Games sempre teve uma relação complicada com os modders, mas nos últimos anos, a situação piorou significativamente. Após uma onda de remoções de mods em 2021 e o lançamento da Edição Definitiva, a editora Take-Two e os desenvolvedores se tornaram muito menos tolerantes com projetos de fãs. Por que a empresa, que um dia apoiou os modders, agora começou a lutar ativamente contra eles? Vamos descobrir.

Um fato pouco conhecido é que o arquivo carcols.dat em Vice City foi gerado usando o programa feito por fãs MultiEdit, de Icey, que deixa uma linha correspondente no cabeçalho. Há muito tempo, Illspirit (um modder conhecido, coautor de Myriad Islands e amigo de Icey) entrou em contato com um dos funcionários da Rockstar. Embora o diretor não tenha confirmado isso abertamente, ele sugeriu que um funcionário interno poderia ter adicionado a linha como um sinal de respeito pelo trabalho de Icey. Ele também reconheceu que ferramentas feitas por fãs são, às vezes, muito mais fáceis de usar do que as oficiais.

Parecia um sinal claro de apoio da comunidade! Mas não durou muito.

Um dos primeiros grandes golpes à confiança na comunidade de modding foi o escândalo Hot Coffee em 2005. Antes de receber uma classificação etária do Entertainment Software Rating Board (ESRB), os desenvolvedores haviam removido conteúdo sexualmente explícito do jogo. No entanto, em vez de deletá-lo completamente, eles apenas o esconderam.

Ao examinar a versão do PlayStation 2, os modders descobriram o código do mini-jogo. Após o lançamento para Windows, o modder Patrick Wildenborg desenvolveu uma modificação que restaurou o conteúdo removido, nomeando-a Hot Coffee, em referência ao eufemismo utilizado no jogo. Em quatro semanas, foi baixada mais de um milhão de vezes.

Isso levou a perdas financeiras e publicidade negativa para a Rockstar. A empresa inicialmente tentou transferir a culpa para os modders, mas devido à crescente pressão financeira e legal, eles foram forçados a lançar um patch que removeu completamente o conteúdo inadequado. Este incidente foi o primeiro sinal de alerta para a Rockstar de que a comunidade tinha a capacidade de descobrir detalhes inconvenientes do processo de desenvolvimento.

Apesar das consequências do incidente Hot Coffee, a Rockstar se envolveu ativamente com a comunidade de modding nos anos seguintes. A empresa coletou feedback, discutiu abertamente sobre o próximo GTA 5 e até destacou alguns mods populares no site oficial da Rockstar Games. Por exemplo, em 2011, a Rockstar publicou notícias sobre mods de GTA 4, enfatizando a comunidade. No entanto, as coisas começaram a mudar na década de 2010, quando os primeiros ativos do jogo começaram a vazar através das versões móveis dos jogos.

Desde 2011, a Rockstar teve a ideia de portar seus principais jogos para as novas plataformas da época — iOS e Android. Isso estava atrelado ao 10º aniversário de cada jogo. GTA 3 foi lançado em 2011, GTA Vice City em 2012, San Andreas em 2013-2014 e Liberty City Stories em 2015-2016. Durante esse período prolongado, a base de fãs conseguiu investigar o que havia dentro dessas versões e descobriu que elas continham uma quantidade significativa de conteúdo das versões iniciais dos jogos, que havia sido negligenciada pelo então estúdio War Drum Studios (responsável por portar os principais jogos de GTA) e Lucid Games (responsável por portar LCS), que lidavam com as versões móveis. Isso provavelmente serviu como um gatilho para o publicador e/ou desenvolvedores prestarem atenção aos modders, já que eles se tornaram mais ativos em descobrir arquivos do jogo que deveriam ser mantidos em segredo. No entanto, nenhuma ação legal pública ocorreu naquela época. Isso pode ser porque os desenvolvedores já haviam se afastado do universo 3D e, desde o lançamento de GTA 4, estavam trabalhando no universo HD, com a trilogia clássica usada para lucro adicional.

O primeiro incidente ocorreu sob a iniciativa da Take-Two. O publicador bloqueou uma modificação destinada a transferir conteúdo de Red Dead Redemption 1 para GTA 5. É importante notar que essa situação envolveu o atual universo HD, no qual a Rockstar Games continua a trabalhar hoje. Provavelmente, quando o publicador toma medidas contra projetos de fãs, isso sinaliza que eles estão ativamente trabalhando em um jogo ou têm planos específicos para ele.

Isso não foi o fim. Em 2017, a Take-Two começou a bloquear o OpenIV, o que gerou uma reação intensa da comunidade, levando a um bombardeio de avaliações dos jogos do estúdio. Eventualmente, as proibições tiveram que ser levantadas, mas as regras mudaram: além de proibir modificações para conteúdo online, transferir conteúdo entre jogos foi declarado uma violação dos termos de serviço. Tudo isso criou um sentimento negativo em relação ao publicador, embora a atitude da comunidade em relação à Rockstar permanecesse mais branda.

O segundo incidente ocorreu um pouco mais tarde, continuando em 2018. Foi revelado no GTAForums que um console de desenvolvedor, uma vez pertencente à Rockstar Games, havia acabado nas mãos de alguns entusiastas. Este dispositivo único, destinado ao desenvolvimento de jogos, permitiu que eles extraíssem arquivos de versões iniciais de GTA 5. Como resultado, uma versão beta do jogo foi descoberta, contendo não apenas arquivos internos, mas também versões iniciais de estações de rádio e outros materiais não visíveis nos lançamentos oficiais do jogo. Embora os arquivos estivessem embaralhados, eles forneceram à comunidade uma visão de aspectos anteriormente inacessíveis do desenvolvimento de GTA 5. Em breve, esses arquivos vazados começaram a aparecer em fóruns, particularmente no GTAForums, onde membros ativos compartilharam o conteúdo. Então, arquivos de áudio beta também foram vazados no YouTube.

Como em qualquer grande vazamento envolvendo grandes empresas de jogos, a Take-Two Interactive e a Rockstar Games começaram a agir. Uma caçada começou por qualquer pessoa potencialmente envolvida no recente vazamento do YouTube. O principal bode expiatório acabou sendo a pessoa que enviou os arquivos para a plataforma de compartilhamento de vídeos. Foi mais tarde revelado que se tratava de um adolescente de 14 anos. Quando a polícia chegou à sua casa, ele foi acusado e uma busca foi realizada. Pertences pessoais, incluindo equipamentos de computador e dispositivos de armazenamento, como um tocador de MP3, foram apreendidos. Relatórios sugeriram que forças internacionais, como a Interpol, estavam envolvidas na operação. O adolescente se viu no centro de uma batalha legal em grande escala.

O que aconteceu a seguir? Após a busca e ameaças, o adolescente foi intimidado com consequências legais, incluindo multas massivas. Sua família teve que contratar um advogado para defender seus interesses. Isso levou a perdas financeiras significativas e a um declínio no bem-estar psicológico tanto do adolescente quanto de sua família. O adolescente assinou um acordo que o obrigava a não discutir a situação com ninguém. Suas contas em fóruns foram deletadas e postagens relacionadas aos vazamentos foram removidas. Rumores sugerem que lhe foi dado um ultimato: “Podemos lidar com isso da maneira difícil ou da maneira fácil.” Ao assinar o acordo, o adolescente evitou ir a tribunal.

Com o tempo, à medida que a situação se acalmou e a empresa parou de agir, o adolescente provavelmente sentiu que sua história poderia ser esquecida. Também foi revelado que a pessoa que representava a Rockstar Games, que havia estado envolvida no caso, havia se demitido. Isso deu ao adolescente a determinação de compartilhar seu lado da história. Como se revelou, o adolescente era apenas um intermediário entre seu amigo, o proprietário do console, e a comunidade de GTA. Ele nunca possuíra o console ou os arquivos, mas ainda assim se tornou o alvo de ações severas da grande empresa.

A reação da comunidade foi previsível — para muitos, foi um choque. A maioria da comunidade de GTA não conseguia acreditar no que havia acontecido. Por um lado, a Rockstar Games e a Take-Two tinham todo o direito de proteger sua propriedade intelectual. Por outro lado, as ações da empresa e a pressão exercida sobre um adolescente de 14 anos pareciam excessivas e severas.

2021 marcou um ponto de virada para a série GTA. Primeiro, o projeto re3/reVC, baseado em engenharia reversa e criado por fãs para aprimorar jogos mais antigos, surgiu à vista do público. Isso gerou empolgação dentro da comunidade, pois o projeto permitia que os jogadores desfrutassem de seus jogos favoritos com controles atualizados e outras melhorias. No entanto, A Take-Two começou a emitir notificações de remoção, o que eventualmente levou a batalhas legais. Isso marcou o início de uma fase ativa de bans de modding, visando particularmente aqueles mods que transferiam conteúdo de um jogo para outro.

Logo depois, notícias surgiram de que a Rockstar estava planejando lançar a Edição Definitiva, remasterizações oficiais dos títulos mais antigos de GTA. Após seu lançamento em novembro de 2021, as remasterizações foram recebidas com uma onda de críticas (foram terceirizadas para uma equipe menos experiente para permitir que a equipe principal da Rockstar se concentrasse no GTA 6), mas as proibições de mods chegaram ao fim. No entanto, muitos mods feitos por fãs já haviam sido removidos a pedido da Take-Two.

Em setembro de 2022, um enorme vazamento de imagens de GTA 6 ocorreu, marcando um dos maiores vazamentos na história da indústria de jogos envolvendo a Rockstar Games. Mais de 90 vídeos e fragmentos do código inicial do jogo de GTA 6 surgiram online. A responsabilidade pelo vazamento foi reivindicada por um hacker britânico de 17 anos do grupo Lapsus$, que anteriormente havia invadido a Uber, Microsoft e NVIDIA. Foi revelado mais tarde que o suspeito foi preso em Oxford (Reino Unido). Em outubro de 2022, ele foi considerado culpado, e a editora tomou medidas para remover o conteúdo vazado de várias plataformas online.

O incidente causou uma divisão entre os fãs de GTA. Alguns ficaram empolgados com o vazamento, vendo-o como uma forma de punição pelo lançamento fracassado de GTA: The Trilogy – The Definitive Edition. Esses jogadores sentiram que o estúdio havia se tornado menos preocupado com a qualidade de seus produtos. Por outro lado, muitos ficaram decepcionados com a aparência da versão inicial de GTA 6. Eles entenderam que o jogo final provavelmente seria muito melhor e estavam preocupados que muitos chegassem a conclusões com base nas imagens inacabadas.

No final de 2023, um segundo grande vazamento ocorreu — desta vez, uma build de GTA 5. Detalhes iniciais do jogo, incluindo um roteiro inicial, mapa e mais, foram revelados. A situação se repetiu: a editora rapidamente tomou medidas para remover o conteúdo da internet, eliminando qualquer distribuição em plataformas de compartilhamento de arquivos e em outros lugares. Isso levou a um sigilo ainda maior dentro da empresa.

Como resultado, parece que a Rockstar decidiu o seguinte:

Em 2025, uma nova onda de proibições de modding ocorreu, que mais uma vez gerou insatisfação entre a comunidade. Notavelmente, mods populares como GTA Vice City: Nextgen Edition, que melhorou significativamente os gráficos do jogo e portou conteúdo de GTA Vice City, e Liberty City Preservation, que trouxe o mapa de GTA 4 para GTA 5, foram removidos.

Os criadores do primeiro mod enfrentaram problemas significativos: seu canal no YouTube, Revolution Team, foi banido. Não desanimados, criaram um segundo canal, carregaram um trailer de lançamento e lançaram uma distribuição torrent em todas as suas plataformas. Enquanto isso, a editora tomou medidas através de vários canais para impedir a divulgação do projeto. Em uma semana, todas as distribuições e links relacionados aos mods mencionados foram removidos, e os desenvolvedores do mod pararam de trabalhar no mod. Essa situação mais uma vez trouxe atenção à postura severa da Take-Two em relação ao modding, causando frustração significativa entre os fãs.

Quanto ao mod que transferiu o mapa de GTA 4 para GTA 5, a situação foi similar: após o bloqueio e a pressão da Take-Two, os autores foram forçados a interromper o desenvolvimento.

Também é importante notar situações relacionadas aos vazamentos de materiais oficiais da Rockstar. No final de 2024 e ao longo de janeiro de 2025, ocorreram vazamentos massivos de materiais arquivados. Por exemplo:

Nesses vazamentos, um personagem do GTAForums, Johndoe2, estava envolvido. Ele comprava materiais de funcionários da Rockstar e depois os vendia a preços inflacionados. Sua exposição levou a uma série de novos vazamentos, apontando para a existência de um mercado negro para materiais da empresa e um desenvolvedor traidor dentro do estúdio.

Vamos considerar a situação com as versões — a versão de maio de 2005 de Liberty City Stories é particularmente interessante. Há uma possibilidade de que os modders tenham recebido materiais confidenciais para o desenvolvimento de modificações. O arquivo vazado da versão de maio contém conteúdo datado de 2018. Surpreendentemente, os modelos e texturas nesta pasta podem ser extraídos usando vários programas. É provável que um dos modders tenha conseguido acesso ao arquivo da versão de maio de 2005 e o utilizado para transferir modelos para Vice City.

Assim, as proibições de modding em 2021 podem não ter sido apenas uma tentativa de proteger a propriedade intelectual, mas também uma resposta aos vazamentos cada vez mais sistemáticos. No entanto, a comunidade de jogos não viu isso como um movimento justificado, já que a maioria dos usuários não estava ciente de que arquivos fonte de jogos poderiam ser vendidos no mercado negro. Percebendo a escala dos vazamentos, a Take-Two e a Rockstar provavelmente decidiram se afastar completamente da comunidade e apertar o controle, já que a transferência de conteúdo em mods estava agora frequentemente ligada a dados confidenciais vazados que deveriam permanecer dentro da empresa.

A Rockstar e a Take-Two perceberam que, no mundo atual de vazamentos e modding, até mesmo informações bem escondidas se tornam propriedade pública. Como resultado, escolheram o caminho do controle total.

É claro que a antiga relação amigável entre a Rockstar e a comunidade não está mais presente. Quem é o culpado por isso? Provavelmente, ambos os lados compartilham a responsabilidade. Sim, a Rockstar Games tem todo o direito de proteger sua propriedade intelectual, o que justifica suas medidas severas. Ao mesmo tempo, os modders e entusiastas desempenham um papel fundamental em manter o interesse nos jogos, e seu trabalho muitas vezes entra em conflito com os interesses comerciais. A abordagem corporativa e o desejo de liberdade criativa frequentemente colidem, deixando pouco espaço para compromisso.